QUALQUERCOISASOBREOMUNDODEALGUEM

sexta-feira, março 30, 2007




A verdade é que a minha teimosia superou o seu limite. Aconteceu. Foi culpa minha. Talvez. Sabia que não o podia fazer; mesmo assim, não resisti.


Senti dor. Insuportável. Levantei-me com ajuda e esforço. Cerca de uma hora depois, um inchaço, gelo à mistura e companhia, sinto-me o mais dependente que alguma vez podia ter imaginado sentir. Frágil. Dependente de outrém.


Pelo meio dos transeuntes que vagueiam e aguardam numa casa que, para muitos deles, é a segunda, noto que a minha única carruagem é uma cadeira de rodas, e a guia, a minha mãe. A grande turbulência tem vindo, felizmente, a diminuir e são pequenos significantes momentos como este que nos vão unindo cada vez mais. Sinto-me grata; nada mais a acrescentar.


Vejo criaturas quase desfiguradas, outras acabadinhas de ter um ataque sabe-se lá de quê, ainda os que apenas lá estão por rotina ou por pouca coisa quando comparados aos primeiros. Como eu. Inútil, com uma falta desmesurada de alguma réstia de senso. Os movimentos, não todos, mas os principais (agora que sentia falta deles) estavam dependentes da benevolência dos outros. Da sua vontade. O meu caminho estava à mercê de uma criatura minha igual e de um qualquer objecto tão repugnante, mas tão miraculoso.


Enquanto aguardava, especulava o que aconteceria e adivinhava o que veio a acontecer. Pensei em várias coisas, mas duas permaneceram, superando tudo o que de mal vinha esperando. Agarrei-me a essas ideias com alguma esperança, a qual, horas e dias mais tarde, desfaleceu.


À cadência, entrei. Sai. Esperei. Voltei a entrar. Tornei a sair. Aguardei. Retornei à primeira sala para, minutos depois, sair de vez. E aquele objecto-sombra-carruagem sempre comigo... É desanimador só voltar a relembrar o pouco tempo que passei na sua (suas) dependência, quanto mais me foi (e é) imaginar como serão os sentimentos daqueles que a ele têm de estar, diariamente.


Dois paus verticais de metal e plástico serão as minhas melhores amigas nas próximas semanas.


Por falar neles, há um a quem eu devo, novamente, um obrigada especial: muito agradecida por "adorares chatear-me"!


E a tal esperança alimentada vai desvanecendo. Por um lado, ainda bem: obrigo-me a deixar de pensar tanto na questão. (Esforços perecíveis...)


Uma semana passou desde então. Nem sei bem o que tenho feito e tento não saber o que poderia ter feito. Também ninguém parece querer deixar-me saber. Belas férias!


Hoje levei com outra rajada de vento frio com um péssimo sabor. Não que não tivesse sido avisada; mas ouvi-lo tem sempre outro paladar. A certeza é ainda difusa e, mais uma vez, encontro-me dependente de um qualquer resultado que uma qualquer máquina de ressonância fornecerá; todavia, tudo indica para que tenha de ser operada.


Já anteriormente tinha sido privada de algo que me dá um extremo prazer. Essa vontade de reavivar o prazer foi o que activou a minha teimosia. Mas, desta vez, tem de ser diferente: não posso atenuar o querer; vou ter de parar, não posso praticar desporto durante um tempo; ainda indifenido, mas já longo demais.


Saindo de um gabinete, num edifício agora mais sofisticado, comecei a chorar. Sinceramente, não sei o motivo mais certo. Talvez tenha sido o conjunto de tudo: a permanência (dependência) de objectos repugnantes à minha volta por mais semanas; o querer ajudar e não conseguir; o querer estar onde não estou a fazer o que não posso; a esperança cada vez mais ténue; a notícia desmotivadora de ser privada de um prazer.


Este último, o maior contributo para esse pranto. (Agora sei, ainda que parcialmente, o quanto custa estarmos privados de fazer algo tão simples como andar; sermos obrigados, para nosso bem, a deixar oo que gostamos de fazer.)


O que me espera agora? A espera e a paciência.


Vou ter de lidar com isto durante mais uns tempos.


Aconteceu... Espera e paciência.