QUALQUERCOISASOBREOMUNDODEALGUEM

sábado, julho 19, 2008

Um momento perdida no escuro

Ando seca de palavras...


Sentei-me ali à sua frente, demasiado cheia de palavras, (des)controlando as emoções, baralhando tudo, a trocar frases, sílabas cansadas, a engasgar-me, e ele na minha frente, quase comovido, feliz, a inventar um outro mundo, vindo de um outro universo, extasiado, vendo um contrabaixo de madeira avermelhada, os tons que diz ver-me na pele quando se lembra daquele pôr-do-sol no pequeno jardim entre os prédios velhos e novos, contrastando com o silêncio, a quantidade de episódios que apesar de tudo me eterneciam e gostaria que alguém, prestando-me atenção, soubesse, a noite e os pavores que o silêncio traz consigo, as flores que se ocuparam a cuidar do subtil som do bater de asas daquela borboleta laranja, ou castanha, escolhe tu, não fosse o batel perdido nas ondas da areia da praia, ao zumbido balouçante da música da qual desviei o olhar, porque me engasguei, ali à sua frente, demasiado seca e cheia de palavras, sentindo as pegadas que deixámos para trás, o mar não apagou o farol, ou aquela casa cinzenta lá no cimo do monte, assim como a borboleta laranja, ou castanha, escolhe tu, agitou aquele escuro entre nós, nem o atrito dos lençóis, nem a tábua da cama ao mudar de posição, aquela luz parda, ou o escuro que a luz empardeceu, entre nós, a escassos centímetros, a procurar-te na algibeira, a mirar-te as pálpebras, o teu cheiro na minha camisola preta, o frio que o abraço aqueceu, aquele abraço revisitado, sempre tão diferente, a respiração que sentes acelerada junto ao peito, e de volta ao escuro, aos escassos centímetros, a música tocou e assim eu deixei de existir, existia a mão que me acariciava as costas, o nariz que me perseguia o corpo, os olhos que me sugavam a alma, a borboleta laranja, ou castanha, escolhe tu, as dezenas de borboletas, que me interessa agora a cor, que floriam na minha barriga, os tremores de receio, o engolir em seco, o afago abafado e quente da tua voz, junto ao meu ouvido, ao cabelo despenteado, o arrepio da minha vontade submersa, o formigueiro no fundo das costas e o pescoço, a minha mão entrelaçada no teu queixo, os lábios que afagaram a angústia, mútuos ao toque do instrumento avermelhado ao pôr-do-sol, no escuro, ao cessar da luz, na algibeira do meu sonho, perdida em saudades e em tantas palavras, sentada, deitada, mas na sua frente, a engasgar-me, a meter os pés pelas mãos, a ceder e a sua cara, na minha frente, tão feliz, como eu, noutro mundo onde eu não existia mais, apenas aquele momento que me fez sorrir e chorar, apenas aquele momento em que me perdi no escuro, a escassos centímetros teus...