QUALQUERCOISASOBREOMUNDODEALGUEM

domingo, setembro 28, 2008

Não te assustes meu amor,
É mesmo assim.

Fui-me perdendo por aí,
Esfumando por esses teus céus
Deixando que as cinzas do que ardeu
Voassem tão alto como tu
Soltas e livres, para regressarem a casa.

Guarda-me sempre, por aí
Nesses teus céus de cinzas vermelhas,
Em segredo, porque paixão não se esconde.

Desconheço o rumor da chuva jugulada no desfecho do dia
O grito cego, o ritmo das pedras que pisas
O corpo no infinito da luz
O toque ao cair da noite
O desabafo do vento quente
O nosso beijo que encerra mais um dia.
Desconheço tanto e sei-o tão bem…

O valor que não damos ao nascer-do-sol
Porque corremos ao infinito dos nossos seres
E no fim do dia esperamo-lo lá,
Vendo-o desaparecer no horizonte mais uma vez.
Esquecendo que para que ele chore vermelho
É preciso que tenha nascido nessa manhã
Cantando a luz e o eco que deixou cair em mais um beijo,
O teu. Para sempre.

É desfiar a alma
Deixá-la nua e crua
Cosê-la a fio de seda, delicado
Único a cada dia, mais bonito.
Desembainhar as calças para poder crescer
E acompanhar-te a cada pôr-do-sol
Escutar o bater de cada asa,
De cada pétala que cai desse vaso
Saborear o perfume de todos os dias
O movimento de cada caminhada
O agitar de cada coração
O olhar sem ciências ou biologias
Que me dás. Que te dou.

Não te assustes meu amor,
É mesmo assim.
A colisão de dois mundos que se unem
Todas as noites em fogo ardente
Entrando terra a dentro sem pedir autorização
Invadindo corpo e mente numa voz suave, doce.
É bom poder falar-te de boca fechada, sabendo
que o silêncio das nossas vozes nos é audível.

Deixa arder, guarda-me, segreda-me.
Abraça-me e deita-te comigo hoje outra vez.
Não fujas.
Não me condenes a viver ao compasso das lágrimas,
Como os outros. Nós não os somos.

sexta-feira, setembro 19, 2008

Acordei-te no lado Oeste

Acordei-te do outro lado da falésia.
Olhei-te enquanto dormias, do lado oeste do nosso ser.
Cheira a Terra e eu adoro este cheiro. Faz-me sentir viva, vinda das vibrações do solo, do corpo do fogo, da harmonia do ar. Chama que nunca foi azul.
Acordei-te do outro lado da falésia, sabendo que dormias no Oeste do meu colo, lá onde o Sol se põe.
Esses braços que grandes envolvem o mar, calma que a brisa traz consigo, os cristais de humidade da onda que rebenta, do nevoeiro do cheiro a Terra, consome-me.
As pernas que correm como o rio até à foz, ao Oeste, até mim.
Seduziste o céu com as estrelas, dançando como se fosse a última noite de loucura, até os pés não te doerem mais, não me sentirem mais, testando cada gota do sabor do âmbar, nostálgico, reconfortante.
Olhei-te enquanto dormias e vi o beijo, uma bola de sabão, um mundo flutuante visto de outra perspectiva, ao sabor do embalo das pedras onde nos deitamos, que cravam unhas num mundo do universo, tatuando-o na pele.
Uma bola de sabão que percorre o horizonte, viaja por mil lugares desconhecidos e em cada um te encontra, sempre na mesma falésia ao Oeste.
Uma simples bola de sabão, transparente e a humidade, os cristais da Terra, do nosso corpo vibrante, deixa-nos gritar. Em silêncio.
Olhei-te enquanto dormias e ainda há pedaços de ti por conhecer, desmistificar.
Acordei-te do outro lado da falésia e lá te deixei, no Oeste do meu colo.

quarta-feira, agosto 27, 2008

Hoje dei-me conta de que há muito que não escrevo.
Tenho pegado no papel e na caneta, mas não tenho escrito. As ideias existem, mas já não fluem como antes, parece que deixou de haver ligação entre o meu pensamento, a tinta e o papel.
Algum elo se dissipou ao meio de um caminho, se dissociou de mim e do meu corpo. E ele sente sede, chama-o até si~cada vez que pega num papel, ou numa caneta.
Será que há leis na escrita? Será que perdi as palavras para me conseguir expressar?
Já nada sai fluidamente, já não há coesão no que escrevo. Ou será no que penso?
Hoje o que sei é que pareço ter perdido s ligação às palavras, que o vocabulário me abandonou e as ideias já não convergem mais.
Sinto saudades do toque das rimas, das metáforas, do cheiro do papel tingido, do paladar dos sentidos e dos sentimentos mesclados.
Estou a precisar da adrenalina da escrita pelas veias do meu corpo.
Hoje peguei no papel e demonstrei a minha revolta, mas as palavras ainda não deram tréguas...


Porque assim são as palavras escritas: possuem um magnetismo especial, libertam, acalentam, invocam emoções.
Elas possuem a capacidade de, em poucos minutos, cruzarem mares, saltar montanhas, atravessar desertos intocáveis.
Muitas vezes, infelizmente, perde-se o autor, mas a mensagem permanece no tempo, atravessando séculos e gerações.
Elas marcam um momento que será eternamente revivido por todos aqueles que as lerem.
As palavras escritas acrescentam força às palavras faladas. E sobrevivem à sua juventude, são infinitas.

"Quem escreve, constrói um castelo...
... e que lê, passa a habitá-lo."

sábado, julho 19, 2008

Um momento perdida no escuro

Ando seca de palavras...


Sentei-me ali à sua frente, demasiado cheia de palavras, (des)controlando as emoções, baralhando tudo, a trocar frases, sílabas cansadas, a engasgar-me, e ele na minha frente, quase comovido, feliz, a inventar um outro mundo, vindo de um outro universo, extasiado, vendo um contrabaixo de madeira avermelhada, os tons que diz ver-me na pele quando se lembra daquele pôr-do-sol no pequeno jardim entre os prédios velhos e novos, contrastando com o silêncio, a quantidade de episódios que apesar de tudo me eterneciam e gostaria que alguém, prestando-me atenção, soubesse, a noite e os pavores que o silêncio traz consigo, as flores que se ocuparam a cuidar do subtil som do bater de asas daquela borboleta laranja, ou castanha, escolhe tu, não fosse o batel perdido nas ondas da areia da praia, ao zumbido balouçante da música da qual desviei o olhar, porque me engasguei, ali à sua frente, demasiado seca e cheia de palavras, sentindo as pegadas que deixámos para trás, o mar não apagou o farol, ou aquela casa cinzenta lá no cimo do monte, assim como a borboleta laranja, ou castanha, escolhe tu, agitou aquele escuro entre nós, nem o atrito dos lençóis, nem a tábua da cama ao mudar de posição, aquela luz parda, ou o escuro que a luz empardeceu, entre nós, a escassos centímetros, a procurar-te na algibeira, a mirar-te as pálpebras, o teu cheiro na minha camisola preta, o frio que o abraço aqueceu, aquele abraço revisitado, sempre tão diferente, a respiração que sentes acelerada junto ao peito, e de volta ao escuro, aos escassos centímetros, a música tocou e assim eu deixei de existir, existia a mão que me acariciava as costas, o nariz que me perseguia o corpo, os olhos que me sugavam a alma, a borboleta laranja, ou castanha, escolhe tu, as dezenas de borboletas, que me interessa agora a cor, que floriam na minha barriga, os tremores de receio, o engolir em seco, o afago abafado e quente da tua voz, junto ao meu ouvido, ao cabelo despenteado, o arrepio da minha vontade submersa, o formigueiro no fundo das costas e o pescoço, a minha mão entrelaçada no teu queixo, os lábios que afagaram a angústia, mútuos ao toque do instrumento avermelhado ao pôr-do-sol, no escuro, ao cessar da luz, na algibeira do meu sonho, perdida em saudades e em tantas palavras, sentada, deitada, mas na sua frente, a engasgar-me, a meter os pés pelas mãos, a ceder e a sua cara, na minha frente, tão feliz, como eu, noutro mundo onde eu não existia mais, apenas aquele momento que me fez sorrir e chorar, apenas aquele momento em que me perdi no escuro, a escassos centímetros teus...

sexta-feira, junho 27, 2008

História de sentido inexistente


Um outro dia de Verão chegou ao fim.
Apetece-me escrever uma história sem qualquer sentido, sem qualquer utilidade. Escrever por escrever, assim sem fim. Como voz rouca em fundo opaco, que só vê quem quer. Locutor de rádio esquecido por detrás da sua voz definidamente desconhecida. Apenas passo jingles fumegantes na cabeça de quem os ouve.
Um silêncio. É tudo o que preciso. Um silêncio vindo da tua voz. O conteúdo gritante da tua respiração cerra os punhos por ti. E vai à luta. Acaba mais uma música.
Fujo na noite de Inverno, vejo-a ali na televisão. Não. Não, hoje já é Verão! Mas perco-me nos pensamentos daquela miúda que passa o portão de madeira, aquele belo jardim de aldeia. Ou serei eu?
Nem sempre nos conseguimos lembrar daquilo que um dia nos deu um sorriso.
Uma história sem pés nem cabeça, sem nexo obscuro.
Exorcizo aquela imagem flutuante; ela faz-me recuar horas no tempo. Mas parece mortificar-me os sentidos, sobressaltar-me, borbulhar em mim, levar-me ao céu com um brilho nos lábios.
Olha, aquele toque na tua perna não me é estranho, sabes?
Está mais nítida! E corre atrás de mim para me agarrar! Cerra os dentes, fecha os olhos, não te deixes dominar.
O fumo branco do cigarro do condutor da frente embala-me, de novo. Abrasa e brinca comigo, faz-me perder, tal como ando em minha cabeça.
Que horas serão? Eu fiquei lá atrás, naquele filme que adormenta os movimentos. Mais um toque particular, bem perto. Já conheço bem.
Apetece-me escrever uma história sem qualquer sentido, sem qualquer utilidade. Já disse isto hoje?
Uma história, apenas.
Fluiu, baralhando-se no seu sentido inexistente, perdendo-se em si mesma. E um outro dia de Verão chegou ao fim, contigo no sentido oposto às horas que se apagam.

terça-feira, junho 10, 2008

Quando Esperança é Escrever Poesia



Escrever poesia é criar mundos paralelos
É olhar o rosto de outras dimensões
Procurar construir areia em castelos
Sentir e espelhar desilusões.

É dormir sem alçada
Caminhar sem destino
É comer pão e beber vinho
Ver descalça e esperançada
Correr, correr num desatino.

É querer descansar, falsa esperança
É cansar sem dormir, obscura lembrança.
É querer levantar a cabeça quando ela quer cair
É suportar cá dentro o que não nos pode fugir.

Esperança que nos engana, nos ilude
Dor que móie, mas não acude.
É tentar morrer na luz ténue
Ofuscar sentimentos que nascem em fontes
Áureas, puras, sufocantes, sem pontes.

Escrever poesia é dar a descobrir
Flores em jardins de palha
É fazer gritos ouvir
Quando a esperança falha.

terça-feira, maio 27, 2008

E quem disse que depois do adeus se formarão para sempre os soldados?
Eles vão e vêm, como duas pombas brancas de Liberdade.
Vivem a vida com um sorriso temperado e sabem que da presença da morte nada esperam.
E seguem.
Fogem.
Mas lutam.
Difusos em guerras imundas, tal as suas belas almas.
Depois do adeus, só eles permanecem.