Bailarina de Cristal
Bailarina de cristal. Tão frágil e pequena. Envolta num manto translúcido de diamantes e safiras. Equilibrada num acanhado espelho. Um mutismo irreversível.
Ela dança, baila e cansa. Ela sobe, desce e foge. Retrai-se. Cessa. Ela, véu de curiosidade, sai de si em busca do que lhe é desconhecido. Imutável. Imóvel. Corre. Incessantemente, incansavelmente.
O que ela procura pode nunca ser alcançado; ela sabe e prossegue. Discreto guarda-jóias: um tesouro precioso. Repetidamente, abre-se, olha-se e fecha-se. Despida. Observada. Contraída.
Numa das suas viagens ao fundo do seu querer, a sua cortina destapa-a: um ente de pérolas, um sonho do consciente, um pássaro das profundezas, um sari flamejante, qual sessão de alquimia, um malmequer cor de prata, semente de um elfo contemporâneo. Ela não dança. Ela não baila. Ela não cansa. Não. Ela voa, ela nada, ela rosna …
Aberto, o tesouro não mais se encontra lá. Vagueia. Desencobre-se. Mutismo, alheamento, abstracção, meditação. Ela. E os outros. (Quem?) Ela respira; acordou do sono insinuante. Agora, veste, observa e cria. Porque o que mais queremos é pelo que mais morremos. Não nós, o nosso ser. Agora, ela compreende: o seu mutismo azulou, desmaiou. Um passo para a descoberta, um retrocesso no seu ser.
Ela rosna por entre as parreiras e sussurra por entre os desfiladeiros, ela voa por entre os peixes e nada por entre as nuvens; mundo ao contrário. Porque cada verso tem inverso. E cada momento uma circunstância. A sua já passou. Esmorecida e absorta com o mundo, deixou-se esvoaçá-la por entre os dedos, dedos que por instantes se dá ao prazer de possuir. Pobre bailarina. De cristal. De diamantes. De sonhos. De circunstâncias. De desejo e descoberta. Achado fracassado: a sua interpretação fora errónea. Não era por isto que ela prosseguia. Não o que ela perseguia.
Conclusões incondicionais. Alienada, chega ao epílogo. Enveredou por caminhos desconhecidos, a promenade da vida e la passegiata da alegria ilusória. Cada um lhe toma o rumo que deseja, desprendidos do que quer que lhes faça sentido ou falta, deixando o hoje para amanhã e o depois para agora. Porque o que vivemos é o que querem que vivamos. Porque é pelo que realmente queremos que realmente morremos.
Lúgubre, silenciosa, retorna à sua utopia. O seu ideal desigual, imperfeito. Onde ela é acariciada por mãos indesejadas. Onde é observada e não observa. Reduz-se ao sigilo, quietude. Reticente. Onde, nas suas formas gentis, a sua subtileza esbate a luz em espiral. Botão que brota, primaveril. Onde contenta os demais. Onde esvaece. Perece.