Quem te disse que eras tu?
Enganei-te.
Enganaram-te.
Tu não és tu.
Nem eu sou eu.
Nós somos um.
Como duas metades de um limão.
Amargo.
Como tu.
Mas tu não és tu.
Quem te disse que eras tu?!
Tu não passas daquele ser repugnante que insiste em ser.
E aparecer.
E parecer ser.
Tu, que não és tu, esperas conseguir andar.
Na tua continuidade.
Roubada, porque tu não tens nada.
Tu não és nada.
Aquela continuidade da vida.
Porque tu, tal como tantos outros que pensam que são,
Não conseguem ver a diferença entre o pôr e o nascer do Sol.
Não conseguem parar e observar que se estão a perder.
Naquele mundo de maravilhas.
Onde o Sol nasce não apenas uma vez por dia,
Mas se põe quatro por noite.
Ou duas, ou cinco.
Porque todos os dias corremos para alcançar o estritamente necessário.
E deixamos o necessariamente importante para trás.
Sem nos lembrarmos que amanhã o Sol pode não nascer para nós.
Tal como tu,
Sol de sombra avermelhada.
Como eu mais gosto delas.
Nada, como não seres tu.
E sermos duas metades do mesmo nada.
Sem nos reconhecermos no meio da correria.
A mesma que temos todos os dias por sermos a mesma metade do mesmo nada.
A mesma que temos todos os dias por não a sabermos escutar.
Limão amargo-doce da futura árvore de metades unidas.
Afinal, quem te disse que não eras tu?
Eu? Tu? Ou o mundo que não te compreende?
O mesmo mundo que insiste em correr.
E correr atrás do que não alcança por o querer tanto alcançar.
Esquece-te do que tens e junta-te ao que precisas de ter:
Um Sol que TE nasça todos os dias
E que se ponha em nós, mesma metade de nada, as vezes que quisermos.